EDNI
Serralves em festa
Serralves
Serralves
EDNI
de Né Barros e João Martinho Moura
com cenografia de FAHR 021.3
Na intersecção do movimento, dos media digitais e ambientes imersivos, Né Barros e João Martinho Moura, construíram uma colaboração artística de longa data. Em EDNI, os artistas retomam o cruzamento da performance e da media art, onde se explora a presença e a memória. EDNI é sigla da expressão “Espaço Denso Não Ilimitado” desenvolvida por Moura em “Virtual Realities Embedded”, que faz eco da noção de fronteira de Maurice Merleau-Ponty e onde a perceção é continuamente renegociada e dinamicamente reconstruída nos limites do corpo e do mundo. Este espaço materializa-se como um campo magnético onde o gesto testa forças, moldando um diálogo entre corpo, gravidade e atração. Um centro oscila, orienta e atrai, traduzindo uma estrutura limitada e densa. Espaço que segue as suas leis. Um pêndulo, cenografia concebida pelos FAHR 021.3, coloca-se como centro e simboliza a gravidade, o equilíbrio e as limitações humanas. As projeções de imagens surgem no limite da distorção, retratando as mulheres como figuras centrais, assim como o próprio pêndulo. Estes corpos transtemporais evocam serenidade e memória, encarnando o primordial e o sensual, ao mesmo tempo que confronta uma dramaturgia onde o corpo feminino, o cosmos, animal e estranho convergem.
À medida que a IA se torna mais presente, o artista enfrenta outro limite, lutando entre presença orgânica e artificial. EDNI é uma performance híbrida onde corpos performativos e projetados, ao lado de um pêndulo, formam um campo magnético. A peça oscila entre o movimento mecânico e repetitivo, um necessário movimento de libertação e reorientação, e um gesto desviante e contingente. Equilibra o controlo e a rendição, expondo tensões que definem a nossa condição humana. A IA no EDNI não é apenas uma ferramenta, mas um agente ativo na formação da presença, incorporação e perceção dentro de um espaço híbrido onde o movimento humano é capturado, sintetizado e reinterpretado. A IA opera precisamente neste limiar percetivo, onde convergem o orgânico e o sintético, questionando autoria, agência e identidade. Numa era em que a IA cada vez mais nos é imposta, EDNI não utiliza a IA como uma imposição externa, mas sim como uma força dialógica, expondo as tensões entre o movimento orgânico e sintético, o controlo, a imprevisibilidade e a memória. Isto torna-se uma IA poética e performativa que não substitui o corpo, mas o estende, distorce e re imagina, tornando o performer uma entidade liminar entre o humano e a máquina, entre o passado e o presente, entre controlo e rendição. Assim, a IA no EDNI não é uma mera escolha estética, mas uma questão ontológica - um desafio para a natureza da presença, da autoria e da incorporação na era pós-digital.
Ao longo da performance, a IA reconfigura, duplica e distorce a presença do artista e no ato final é recuperada pelo tangível, pelo não codificado. O pêndulo, montado como um cavalo, sugere dominância, submissão, integração e fusão. À medida que a performer se posiciona sobre este objeto mecânico preciso, rendendo-se à gravidade, ao equilíbrio e à força, incorpora um contraste no algoritmo das projeções que anteriormente definiam o seu movimento. Este gesto final assinala uma síntese entre humanos e máquinas, já não enquadradas como oposição, mas como coexistência. O que EDNI conclui neste quadro cru e potente, não redefine apenas a relação entre o digital e o corpóreo - levanta também a questão fundamental de saber se a tecnologia pode realmente captar a essência do ser humano. No seu momento final, a peça reafirma a primazia da carne sobre o código da presença, sobre a simulação e da nudez sobre o algoritmo.