A PRAÇA
Em Vooum (1999) e No fly Zone (2000), o intérprete era o viajante e o móbil da paisagem, assim como, o intérprete desenhava o território e era território. O intérprete circulava ora num contínuo por um espaço construído com imagens de um exterior e de viagem (Vooum), ora num lugar fechado, imposto e assumidamente artificial (No Fly Zone). Neste novo projecto, o intérprete continua a circular ao seu modo e à diferença das pessoas que circulam nas imagens da praça que o Daniel Blaufuks nos exibe. Há um ballet na praça, há vozes... Como nos diz Elias Canetti “Uma estranha sensação tomava sempre conta de mim, ao atravessar aquela imensa praça”. Quando atravessamos a praça levamos connosco o cheiro e a influência. Quando estamos na praça deambulamos. Derivamos. Olhamos. Escutamos. Representamos e somos representados. Somos a extensão da praça. Medimo-nos por ela. A praça, em geral, é um lugar particular pelo tipo de vivências que ali se podem perceber. Como é um espaço circunscrito, foca-nos a atenção, mesmo quando é apenas lugar de passagem, a praça parece reflectir uma espécie de condição nómada do humano e do seu perpétuo movimento. A praça torna-se numa paisagem viva e regular na sua irregularidade. Ao mesmo tempo, a praça é um lugar que evoca múltiplas histórias e ideal na construção de personagens. Este espaço artificial é portanto indissociável da presença, é a presença que faz dele lugar de vivência e lugar da memória e é neste plano que também a praça, se transforma numa metáfora do próprio espaço de representação que é o palco e que é o próprio Actor. O actor é o tema, como nos diz Deleuze, e talvez repitamos continuamente o gesto de explorar o Outro fazendo dos contextos e das matérias que circundam o actor apenas novos conflitos para descobrir mais que Um rosto, mais que uma marca identitária. A praça, zona também critica e de conflito. Neste projecto, existe uma praça concreta que capta o quotidiano da famosa praça, Djema el Fna em Marraquexe. Nesta praça é possível assistir desde uma diversidade cultural à sua transfiguração do dia para noite, uma festa contagiante plena de vitalidade. Em palco, existe uma praça subjectiva que colhe influências da praça projectada, mas que é autónoma e lhe co-existe. Ao vivo, os intérpretes e os músicos, Alexandre Soares e Jorge Queijo, debatem-se e sintonizam-se num fluir visual e sonoro de uma praça imaginada e atravessada por múltiplas e dispares referências. A praça projectada funciona como uma janela sobre um exterior que se abre e se fecha, tal como a visão que se interrompe no devaneio da imaginação e da construção de ficções.
Né Barros