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Agora

Now (2017)

Isabel Barros presents a performance for which she summons two great friends and partners of artistic life: Regina Guimarães, who asked her to write an original text, and Vítor Rua, who invited her to improvise and accompany the performance of the Cooperativa Árvore gallery.

He was interested in talking about the landscape where he lives, the landscape itself. The text speaks of a sea from within. In improvisation, with Vítor Rua, Isabel Barros gave voice to the listening to this strange frontier, incorporating the text specifically tailored to a unique and unrepeatable moment: "Agora". The music suspends in a cinema way a landscape of thoughts that are sought and confronted within a room coldly marked by a white wall, which Isabel runs slowly and linearly, from one end of the gallery to the other. As it travels through the empty space, it releases the pages of the text in order to jump in free flight: the movement of the dance ultimately happens, being exclusively inhabited by the space of the music. Together, Isabel Barros and Vítor Rua are transported in a kind of flying carpet, which began as a distant object, to become a space of experience and end up becoming a misshapen port of shelter, where one dreams.The performance, composed of dance, music and literature, translated into an escape to the space where we finally hide. Imbued with a great biographical load, it was mostly supported on a great complicity between art and life.

Paula Pinto

Agora, 
- que palavra estranha «agora»
carregada de impossibilidade 
e contudo necessária 
indispensável-
digo portanto «agora»
como se abrisse uma porta para dentro de mim 

Ora
a porta onde o presente aportava 
e a presença era e estava 
já não existe 
e a esta hora
não me assenta bem perguntar-me 
se eu mesma existo 
aquém ou além da porta
por onde ninguém passa 
agora 

Pergunto, portanto
ao ninguém que me rodeia por todos os lados:
quem me habita?
quem habita este deserto donde desertei?
que palavras fala a paisagem 
que foi texto antes de ser inventada 
a minha escrita rude e cursiva?

E que tempo este espaço 
a um passo de mim habita?
Sim, meu amor, 
o corpo que eu habito
e o corpo que me habita 
tornaram-se categorias do tempo

Tempo suspenso entre vazios e marés, 
tempo de marca, de margem, de mar
porém, de um mar de dentro
- aquele mar de bolso que se ouve 
quando se encosta uma concha ao ouvido 
e que é no entanto imenso

Cabem lá o choro, o riso e o silêncio
cabe lá a lembrança e a lembrança da lembrança 
cabe lá tudo o que eu penso
cabe sobretudo o que ainda não pensei
e no entanto caminha para mim 
basta que me aproxime da zona de rebentação
e espere pelas ondas …

Sabes, meu amor, 
sendo o mar o lugar onde o sonho se faz gigante, 
não há gigantes capazes de me espezinhar 
no lugar de mar em mim
que me habita e onde habito

E se há coisas que me excedem 
em tamanho ou peso
agarro-me a elas 
para ter a certeza de não estar a ser sonhada 
por uma desconhecida 

Assim, o mar em mim confirma-me que ainda existo
que vesti o vestido que me faz vista de fora 
e por razões de mar alto que me escapam
mantenho-me à tona
e navego à vista 
perdendo-me na exacta medida 
em que outra metade me aguarda 
e me chama a si

Reparaste que toda a minha geografia 
-montes e vales, planaltos e planuras, 
fontes e rochedos e sendas e abismos-
se resumiram por fim a uma lisura de corpo 
pois a esta hora 
a questão já não é o verbo fazer-se carne 
mas antes a pele tornar-se página 

Reparaste de que modo as ondas percorrem 
e devassam 
aquilo de que se diz 
que ficou em branco
manco de sentido para todo o sempre 
espumando e espumando infinitamente 

É aí, 
a meio caminho e entre cá e lá
que eu durmo e desperto 
nos braços obsessivos de uma água 
que não para de parir para pensar 

E não creio, meu amor, 
que haja mais marés que marinheiros 
apenas mais rostos do que espelhos a copiá-los 
mais estilhaços do que espíritos inteiros

Regina Guimarães